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Pandemia: o que fazer agora?

Levando em conta o tamanho da crise, as providências tomadas até o momento para sustentar a renda da população e dar despeito do programa de financiamento às empresas não ter decolado.

Alguns indícios, tais como o valor médio das Notas Fiscais emitidas e relatórios de venda no varejo (cartão de crédito), demonstram que a economia estaria se estabilizando em novo patamar.

O problema é que este equilíbrio macroeconômico está bem abaixo do nível anterior e é precário. Além do desemprego crescente, há um desemprego disfarçado de redução de jornada de trabalho e suspensão do contrato de trabalho (8 milhões até o início de maio), sem falar nos 50 milhões que estão recebendo a ajuda emergencial.

Tanto a ajuda emergencial, quanto a redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho devem terminar em maio e junho. As seguintes questões se apresentam neste momento:

1) Haverá demanda para garantir emprego a estas pessoas que estão paradas ou trabalhando em jornada reduzida assim que a economia “reabrir”?

2) O que aconteceu com o setor produtivo durante a crise?

A reabertura da economia deverá ser gradual em virtude da necessidade de distanciamento. Assim, ainda que a renda das famílias não tivesse sido reduzida, o consumo não poderia voltar ao normal de forma imediata. Do lado do investimento privado, novos projetos aguardam medidas do governo e a recuperação econômica.

No setor externo, a desvalorização da moeda nacional tem ajudado as exportações, principalmente de commodities. A queda das importações e de outros gastos no exterior deve resultar numa melhora substancial na balança de transações correntes.

Também é esperado, no médio prazo, um movimento de substituição de importações e a provável internalização de algumas cadeias de produção que com a crise se tornaram estratégicas (ex.: medicamentos). Sem considerar medidas adicionais por parte do governo, as empresas irão se defrontar com uma demanda fraca no momento da reabertura.

Adicionalmente, as empresas terão que enfrentar um problema decorrente do Programa Emergencial de Manutenção de Emprego. O Programa, que permitiu a redução da jornada de trabalho e suspensão do contrato de trabalho por dois ou três meses, concedeu garantia provisória de emprego por um período equivalente. Eventual demissão neste período implicaria em multa elevada prevista na MP, além da multa de 40% sobre o FGTS.

Considerando este quadro, mesmo não demitindo, muitas empresas perderão liquidez em razão do pagamento de salários sem o correspondente faturamento.

Em função disso, é fundamental que o governo prorrogue por mais três meses o regime de redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho (lay-o"), mantendo o pagamento dos benefícios. As vantagens do programa são muitas, incluindo o custo inferior (R$ 51,6 bi) se comparado ao do Benefício Emergencial (R$ 123,9 bi).

O Programa mantém também uma renda mínima para os trabalhadores e permite que a empresa sobreviva até que a demanda se aproxime do nível anterior. Seria importante que o governo já assegurasse a extensão da redução da jornada de 25% por um ano.

A manutenção do benefício emergencial também é essencial para sustentar o consumo. No entanto, diante dos valores elevados envolvidos (R$ 123,9 bi), a redução do valor do benefício pode ser uma opção.

Embora o governo esteja agindo de forma a sustentar a renda no curto prazo, o ministro da Economia tem a!rmado que a recuperação deverá vir por novos investimentos privados, desde que os marcos regulatórios sejam definidos pelo Congresso.

Para contar com projetos de investimentos de infraestrutura, o governo deve elaborar projetos (PPP/PPIs) em que garantias consistentes sejam concedidas, entre elas maior retorno, remuneração do capital investido no caso de atrasos cuja culpa não seja do investidor e desregulamentação. A ação aqui deve ser bem mais assertiva do que se faz hoje.

A promessa de remuneração mais elevada do que o normal pode sim representar um gasto futuro para o governo, porém, é muito melhor ter um possível gasto no futuro, quando o investimento já estiver realizado e a situação das contas públicas for melhor. Sem falar que tal situação envolve gasto muito inferior ao que foi apresentado pelo chamado “Plano Marshall”.

Se queremos receber investimento estrangeiro, além das sugestões acima, precisamos garantir ao investidor uma proteção contra o nosso cada vez maior risco cambial. O BNDES pode perfeitamente assumir esta função.

Já no lado microeconômico, três pontos devem ter atenção especial a !m de dar liquidez às empresas:

1- procedimento especial para a recuperação judicial de empresas em razão da crise;

2- Financiamento para capital de giro e 3, parcelamento dos tributos.

Muitas empresas vão sair do período de quarentena bastante debilitadas pela crise. Propostas no sentido de perdoar dívidas ou limitar juros só tendem a criar problemas no mercado de crédito. Uma ideia mais viável seria criar um procedimento especial de recuperação judicial com algumas características da “Recuperação Extrajudicial”, já existente na Lei 11.101/05.

Tal procedimento deveria conter regras claras e ser rápido, podendo contar com a ajuda de mediadores, como prevê o Código de Processo Civil. O financiamento do capital de giro para empresas com faturamento até R$ 10 milhões não tem funcionado. Os motivos vêm desde a exigência de não demitir, passando pelo requisito de processar a folha de salários por meio de bancos e indo até o fato de que, por suportar parte do risco (15%), os bancos estariam limitando a concessão de empréstimo em razão do perfil dos clientes.

Algumas regras do programa poderiam ser alteradas afim de viabilizá-lo. O Tesouro deveria assumir o risco total do crédito. Outra sugestão seria de que os valores poderiam ser utilizados para pagamentos de outras despesas além de salários, tais como aluguéis e impostos. A restrição quanto à demissão de
empregados não deveria existir, sendo apenas um fator para determinar o valor do empréstimo.

Quanto à concessão de liquidez às empresas, vale mencionar proposta na Europa para injeção de capital com a cobrança futura de um adicional de imposto de renda como forma de “pagamento” pelo capital fornecido.

Por fim, os débitos tributários em aberto, incluindo aqueles oriundos de parcelamentos anteriores, deveriam ser reparcelados somente para aqueles que efetivamente precisem.

Para tanto, a utilização da variação (negativa) do faturamento nos meses de abril e maio deve ser instrumento para a concessão do parcelamento. Empresas com queda pequena do faturamento não têm por que receber condições especiais de parcelamento.

Fonte: Eduardo Fleury é advogado e economista (USP), sócio e head da área tributária de FCR Law, especialista em Direito de Empresas Americano pela Harvard Extension School.